segunda-feira, 26 de março de 2012

A serial-viúva

Fátima sempre foi muito bonita e prendada. Quando moça, arrasava corações e seus admiradores chegavam a sair no tapa pra atrair a atenção da pretendida. Diziam que era a mulher perfeita pra levar ao altar, a não ser por um importante detalhe que se revelaria mais tarde: todo marido de Fátima acabava morto.
Mas Fátima não era nenhuma assassina, longe disso. Ela simplesmente era assombrada por uma maldição, uma zica, uma praga, má sorte, conspiração do universo astral, vítima de mau agouro ou seja lá o que for. Era só Fátima assumir os laços matrimoniais que o marido não tardava em partir pra outra.

O primeiro foi Zé Augusto. Eram jovens, chegando na casa dos vinte anos. Sempre tiveram namoricos desde a época da escola e as famílias dos pombinhos logo aprovaram o casório. Era quase que um caminho natural para os dois.
Casaram-se na igreja do bairro onde moravam e arrumaram uma casinha para viver juntos. O casamento era só alegria, até que o carma de Fátima começou a entrar em ação.
O marido trabalhava de vigia na obra de um novo viaduto da cidade e, durante uma ronda de rotina, foi esmagado por um bloco de concreto que caiu lá de cima. Ninguém soube explicar as razões técnicas do acidente.
Fátima ficou arrasada, e mal sabia que era só o início de um pesadelo que a perseguiria feito uma maldição.

Três anos mais tarde, a moça ainda não tinha conseguido superar a partida prematura de Zé Augusto, que acreditava ser o amor de sua vida. Numa ida à missa (Fátima começara a frequentar a igreja depois de ter ficado viúva, assim como terreiros, sessões espíritas, encontros místicos etc), conheceu um rapaz muito acolhedor e boa gente. Era Carlos Manoel, dono de padaria. Começaram a se ver fora da igreja e engataram um namoro.
Carlos foi essencial para Fátima superar seu trauma, oferecendo ombro amigo e muita paixão. Passou certo tempo e se casaram também na mesma igreja do bairro.O segundo casamento durou mais tempo, onze meses e vinte nove dias. Só que o destino de Fátima já estava traçado e o que estava reservado para Carlos Manoel acabou por acontecer numa manhã de domingo.
O padeiro, que chegava antes de todos outros funcionários para preparar a primeira fornada do dia, morreu queimado numa explosão causada por um vazamento de gás. Só encontraram o carvãozinho em forma de homem e tiveram que identificar o corpo pelos dentes.

Viúva pela segunda vez, Fátima resolveu se mudar de cidade. Ela queria ir pra longe de toda aquela urucubaca. Fez as malas e partiu. Boa profissional, rapidamente conseguiu encontrar um emprego de secretária na nova cidade.
Mas o coração de Fátima mais parecia alvo de treino para o Cupido, e rapidamente se interessou por um colega do novo trabalho. Gerominho era meio atrapalhado e seu jeito desengonçado cativou a viúva.
Após pouco tempo namorando, Gerominho a surpreendeu e a convidou pra ir viver em sua casa. Do ponto de vista prático isso era uma ótima ajuda para Fátima, que até então não tinha encontrado um bom lugar para morar. Fátima aceitou, mas não contou sobre a maldição que trazia consigo. O desengonçado Gerominho também era meio azarado, e a soma de suas vibrações negativas com a zica da viúva adiantaram o processo padrão do destino.
Numa noite estrelada, Gerominho tomou coragem e pediu a mão de Fátima em casamento. A mulher aceitou de pronto, porém a emoção foi forte demais para o rapaz, que caiu duro tendo um ataque cardíaco fulminante.

Três casamentos e três maridos falecidos era demais para Fátima, que entrou em estado de luto permanente. Ora se culpava por toda aquela desgraça, ora culpava os deuses. Não entendia porque merecia tanto sofrimento, nunca fora má pessoa, nunca praticou pecados graves... Será que tudo aquilo era uma desagradável herança de vidas passadas? E que culpa teria disso? Não podia controlar o que fez ou o que deixou de fazer em vidas passadas. E os pobres coitados dos maridos? Precisavam pagar o pato, Deus? Simplesmente não era justo. Fátima se fechou a tudo que era mundano e a tudo que era sobrenatural também. Até que conheceu Cícero.

Fátima já tinha passado dos quarenta anos, era um longo tempo de reclusão, só vestindo preto. Depois de mais de uma década sem saber o que é se apaixonar ou despertar paixões, começou a receber presentes, bombons e flores de um admirador não tão secreto assim. Os cartões sempre vinham assinados: com amor, Cícero. Só não sabia quem era o galanteador.
Certo dia a campainha tocou e era o tal. Cícero se apresentou, pediu desculpas pela intromissão e explicou que a observava fazia tempo. Fátima ficou desconfiada, mas, depois de muitos anos afastado, o Cupido voltou a lançar suas flechas com a mesma pontaria de sempre. Fátima tinha se apaixonado de novo.

Começaram vagarosamente a ter um relacionamento. Fátima ainda não estava preparada para uma nova decepção e sempre freava o apressado Cícero, que queria se casar a qualquer custo. A viúva achou decente de sua parte contar sua história trágica. O pretendente ficou aparentemente muito chocado e pediu um tempo para pensar. Fátima ficou triste, mas resignada. Era óbvio que uma história daquela afugentaria qualquer homem.
Semanas depois, Cícero voltou afirmando que estava disposto a enfrentar a maldição. Ele falava que era tudo obra do acaso e, mesmo se fosse algum tipo de mau agouro, garantia que tinha o corpo fechado e o santo forte. Fátima admirou a coragem do homem e aceitou o pedido de casamento.

Dessa vez Fátima estava feliz, o casamento durava um ano, dois anos, quase três e nada de velório de marido. Cícero mudara muito nesses últimos tempos, andava estressado, perturbado e impaciente. A mulher não gostava de como as coisas iam fluindo, mas não tinha a ousadia de abandonar o único homem que tinha proteção contra sua praga maldita. Cícero, mesmo claramente infeliz, também não demonstrava interesse em deixá-la.
Num feriadão qualquer, Fátima preparou uma feijoada e serviu para o marido na varandinha onde comiam em dias de sol. Cícero caprichou na pimenta, deu uma bela garfada e quando ia engolir entrou num acesso de tosse, engasgou, sufocou e morreu roxo. Ficou ali, ainda sentado, com um sorriso estranho naquela cara redonda e arroxeada.

Fátima surtou com a morte do quarto marido e sumiu no mundo, nunca mais foi vista por ninguém. Sem a presença da esposa, o velório de Cícero foi vazio. Dizem as más línguas, que aquele homem tinha passado por abrigos psiquiátricos e tinha forte tendência suicida. Ele teria ficado sabendo da história da amaldiçoada e achou que seria a melhor forma de atingir seu objetivo, já que era covarde e tinha muito medo de altura pra se jogar de um prédio.
Quem conhecia Fátima garante que a mulher ficou pra titia.

sexta-feira, 23 de março de 2012


O ato pré-concebido de redigir peças literárias ou análises que lançam mão de metodologias acadêmicas utilizando artifícios discursivos de alta complexidade verbal representa um retrocesso no processo cognitivo de percepção da mensagem originada pelo ator social que é o emissor. Dado que as narrativas precisam penetrar na subjetividade do receptor para, enfim, gerar um significado que culminará na alteração de sua visão de mundo, não há necessidade de tal prática impregnada de rebuscamento ser perpetuada nas esferas de criação do conhecimento.
Ou seja, não precisa ficar escrevendo difícil, porra.


Análise: destrinchando o vídeo "Para Nossa Alegria"

O presente trabalho busca analisar as relações familiares e a psico-personalidade de cada personagem-sujeito do vídeo caseiro encontrado abaixo. O artigo foi apresentado na conferência bilíngue Cognitive Studies On Domestic Ambients, realizada na Università Finestra di Ananasso (Roma - Itália).


Começaremos com Suelen, a irmã. Claramente notamos que a menina tenta atrair toda a atenção para si, almejando ser o personagem principal da peça audiovisual. Nos deparamos com o mais característico exemplo paradigmático de adolescente dominadora e controladora, mas que no fundo de seu âmago subjetivo é carente de atenção e, por causa de seu caráter falho, tenta manter uma posição de liderança dentro do círculo da família, subjugando os outros membros de seu núcleo familiar a fim de se sentir mais segura consigo mesma (como fará com seu irmão Jefferson, visando ridicularizá-lo, mas disso falaremos a seguir). Suelen assume o papel de uma espécie de ditador dentro de seu micro-cosmo.

Quem também possui grave desequilíbrio emocional é Mara, a mãe. Nota-se que desde o início do vídeo ela não está confortável com a situação. Com seus braços cruzados indicando uma postura defensiva e fechada, Mara lança incessantes olhares para Suelen, que, como supracitado, faz o papel de um suposto líder implacável no núcleo familiar. Esses olhares são verdadeiros pedidos de ajuda e afago. Mara está numa posição em que não se sente a vontade: sendo filmada para um público que domina razoavelmente tecnologias da informática que nunca dominou. Ou seja, seu porto-seguro seria alguém habituado com tais tecnologias e que poderia servir de guia nesse novo mundo do ciberespaço online. Logo, por conseguinte, sua filha Suelen, que é usuária do Orkut há anos, é o ator social perfeito para oferecer-lhe reconforto. O melhor exemplo dessa dependência afetiva é vista aos 01:10, quando Mara hesita em continuar cantando a canção sem a companhia da filha.

Por último, mas não menos importante, analisaremos o comportamento de Jefferson, o irmão. Rapaz de sorriso aberto e notável talento musical, Jefferson surpreende a todos quando solta a voz e, para nossa alegria, presenteia o mundo com seu dom de cantor barítono, atingindo tons de tenor solista. Porém, Jeff sofre perversas represálias por parte de sua irmã dominadora e sua mãe insegura. Nitidamente ofuscada pelo primor musical de seu irmão, Suelen apela para uma nada espontânea crise de risos (atitude normal em outros estudos de casos semelhantes), tentando desmoralizar Jeff, que continua a tocar seu instrumento de cordas elegantemente. A insegura Mara, também ofuscada e desmoralizada, sente-se rebaixada e nem ao menos tenta se impor na situação, levantando do sofá e desistindo de participar daquele momento que deveria ser de prazer e partilhamento.

Provavelmente, não existe a presença de um pai nesta família, o que ocasiona uma séria falta de referência no que diz respeito a uma figura masculina paterna para a filha, e figura matrimonial para a mãe. O único membro do núcleo familiar que lida bem com a situação é Jefferson, que, segundo nossas projeções, foi acolhido pela banda de sua igreja e que se espelha nos bons homens que o ensinaram a lapidar seu dom na música. Talvez por isso, Mara e Suelen guardem tamanho rancor de Jefferson. Parte desse sentimento é uma transferência substancial do ódio que sentem pelo pai/marido que as abandonou. Outra parte é um misto de reações psíquicas chamadas comumente de inveja, já que mãe e irmã não suportam ver Jeff desfrutando de plena satisfação em sua vida musical e social.

No entanto, não podemos esquecer que o desafiador cenário contemporâneo promove a alavancagem das posturas nas famílias nucleares com relação às suas atribuições. O que temos que ter sempre em mente é que o início da atividade geral de formação de atitudes não pode mais se dissociar das condições inegavelmente apropriadas. A certificação de metodologias que nos auxiliam a lidar com a percepção das dificuldades não pode mais se dissociar das formas de ação. Ainda assim, existem dúvidas a respeito de como o aumento do diálogo semiótico promove a efemeridade subjetiva dos relacionamentos verticais entre as hierarquias domésticas, tal qual aparecem no trio analisado.




O autor deste ensaio acadêmico é Phd em Psiquiatria Ortomolecular pela Universidade de Brasília e pesquisador-chefe no Center of Psico-cognitives Theories and Family Studies da Universidade de Neurociência de King’s College (Reino Unido) 




Referências bibliográficas:


BAUER, Jack. Etinoanálise epistemológica da família. New York, v. 15, n. 1, p. 45-57, 2002.

SANTEIRO, Roque. Criatividade em psicanálise: produção científica internacional (1996-1998). Psicologia: Teoria e Prática, São Paulo, v. 2, n. 2, p. 43-59, jul./dez. 2000.

DE SOUZA, Maurício. Cognição e teimosia: a linguística como método. In: SANGALO, Ivete. (Org.). Percursos piagetianos. São Paulo: Cortez, 1997. p. 63-76.

CREED, Apollo. Science and mystery of butterfly. In: CHANGING BEHAVIOR: HEALTH AND HEALTHCARE, HEALTHPSYCHOLOGY, 5., 2001, Scotland. Abstract... Scotland: European Health Psychology Society/British Psychological Society of BOXE, 2001.

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DE VITO, Danny.  Is the book on the table? Social dissertation about perceptions of reality. PSYCHIATRIC RESEARCH. Guinnes Book. Dublin - Republic of Ireland, v.48, pg. 34 - 39, 2010